31 maio 2005

As minhas primeiras dificuldades…

A sessão de hoje fez-me sentir as primeiras dificuldades nesta minha tarefa de dinamizadora do clube de ciência. Primeiro porque apareceram muitos mais miúdos do que nas sessões anteriores e eu não estava preparada para isso ainda que tivesse sido prevenida e estivesse informada e consciente de que isso poderia acontecer. Vou tentar enumerar os que apareceram: o Luís (que não ficou o tempo todo porque tinha uma reunião), o Ricardo e o Vasco que vêm já das sessões anteriores. Apareceram também o Amílcar e o Miguel que ainda por cima já pertenceram a um clube de ciência que existiu anteriormente neste espaço. Estavam ainda as gémeas Teresa e Luísa, a Gabriela, a Cristiana e o Nelson. Em segundo lugar o Toni, o meu colaborador, também não pode estar e foi substituído pela Ana que eu conhecia pior e com quem deveria ter conversado, antes da sessão o que acabou por não acontecer. Isto pode ter contribuído para que ela se tenha sentido certamente um pouco perdida o que acabou por ter alguma interferência em mim e no meu desempenho. Em terceiro lugar e como já deixei transparecer a sessão não estava convenientemente preparada por mim a pensar neste número de miúdos e as coisas acabaram por não correr muito bem. Explicitando melhor a minha análise: Aprendi na formação inicial e fui com a experiência confirmando que quando se realizam actividades experimentais com jovens devem ser garantidas, à partida, determinadas condições para prevenir que o caos se instale. A saber: (1) uma boa arrumação do espaço físico onde vão decorrer os trabalhos garantindo uma boa separação dos grupos de trabalho permite reduzir ao mínimo as interferências negativas entre elementos de diferentes grupos, o que favorece a existência de um bom clima de trabalho em cada grupo; (2) os miúdos devem saber à partida o lugar que cada um vai ocupar e ter de imediato disponíveis os materiais que precisam para começar a realizar a actividade. Isto exige um planeamento antecipado e muito cuidadoso; (3) deve ser combinado com os miúdos a forma como se pensa funcionar durante a sessão. Isto deve ser feito sempre mas especialmente se as actividades que vamos realizar estiverem organizadas num formato de estações laboratoriais, ou seja, se em cada momento a actividade que um grupo realiza for diferente da do outro, existindo contudo a intenção clara de que de forma rotativa todos os grupos acabem por realizar todas as actividades. Se este for um formato que os miúdos nunca viveram deve -lhes ser dado conta à partida para que não fiquem intrigados por estarem num dado momento a fazer coisas diferentes do colega do lado e com a natural curiosidade de descobrir o que o outro está a fazer. Infelizmente nenhuma das condições que referi tinha sido garantida antecipadamente. Por um lado, a nossa sala tinha menos espaço disponível do que nas sessões anteriores pois estava a ser reorganizada e havia mais um armário a ocupar um espaço que antes estava livre. Por outro lado, os materiais para realizar as actividades pensadas para hoje não tinham sido previamente seleccionados, apesar de quase todos existirem na sala mas era preciso localizá-los e torná-los facilmente acessíveis aos miúdos. Além disso, uma das actividades exigia que nos deslocássemos para o espaço no exterior do edifício uma vez que precisávamos de esticar um fio com pelo menos cinco metros de comprimento para construir um “foguetão” e na sala não havia espaço. Assim fizemos, mas teria sido preferível que todas as actividades tivessem sido planeadas para o exterior pois o vai e vem não se revelou nada benéfico. A situação que se criou levou-me ainda a questionar mais dois aspectos que considero fulcrais. Um tem a ver com a forma de gerir no clube um grupo de miúdos que são na sua maioria adolescentes mas com idades, apesar de tudo, bastante diferentes e a frequentar anos de escolaridade diversos o que resulta que algumas actividades acabem por ser demasiado infantis e “muito básicas” para alguns, como os próprios referem mas para outros sejam um despertar da curiosidade e de interesse que impressiona. Como conseguir conciliar os dois grupos de miúdos sem que uns apaguem com a resposta pronta e a divulgação do resultado final o desejo de questionamento dos outros é um desafio que ainda tenho de trabalhar. O outro aspecto que me criou alguma insegurança prende-se com o meu papel naquele grupo e na instituição. Lembrei durante esta sessão com particular intensidade uma frase da Teresa (uma das responsáveis pela gestão dos voluntários) quando na nossa primeira reunião referiu que não era pressuposto passar para ali o modelo escolar e que as pessoas que eram professores podiam ser tentadas a fazê-lo. Percebi desde esse momento que o mais certo era ter de estar atenta a este aspecto pois mesmo sem o querer conscientemente, isso poderia vir a acontecer. Nesse dia percebi muito bem o que a Teresa quis dizer. Senti um horrível conflito interior e a ambivalência foi grande. Que regras se devem observar? Até onde se deve ir? Ao fim ao cabo nós estamos num espaço que se quer descontraído, nós todos no clube fazemos o que fazemos não por obrigação ou para cumprir um programa mas para ocupar o tempo com algo que gostamos. Bom, mas por outro lado estamos numa instituição que não é uma escola mas que lá terá alguns dos princípios por que se regem as instituições quanto mais não seja funcionários uns mais compreensíveis e flexíveis do que outros e além do mais é um local de trabalho (a nossa sala fica contígua a alguns gabinetes). Como é que eles nos vêem e como se posicionam em relação aos nossos (meus) comportamentos? Enfim, considerei que me estava a ser ainda mais difícil do que na escola encontrar aquele equilíbrio entre manter uma postura descontraída com os miúdos sem perder um certo controlo sobre a situação mas também sem resvalar nem um bocadinho para o autoritário. Até porque me dou conta que mesmo um espaço informal dentro da escola é diferente, tem sempre alguma coisa de formal, o contexto é um grande molde. Lá consegui mas não sei o quanto fui capaz pois a Ana, por exemplo, achou que os miúdos se tinham portado mal. Aliás com esta opinião não resisto a pensar no que acontece com alguns professores nas escolas. É frequente ouvirmos professores que se recusam a fazer actividades com os alunos porque eles se portam mal e a acharem que tudo de mal que acontece numa sala de aula ou na escola é culpa dos alunos. Gostaria de os convidar a fazeram antes uma análise segundo o ponto de vista que apresento e veriam como muitos problemas deixariam de existir. Experimentem investir mais no planeamento e preparem-se bem nos bastidores, invistam mais no "antes" e verão que é meio caminho andado para as coisas darem certo. Com todas estas dúvidas e no meio de alguma desorganização nossa, mesmo assim conseguimos levar a cabo algumas das actividades que tínhamos planeado. A saber: “O Ponto Fulcral” adaptada de http://cienciaemcasa.cienciaviva.pt/fulcral.html “Vamos construir um foguetão”[1]; Quanta força tem o ar?[2]; “Que espaço ocupa o ar?”[3] As miúdas mais novas, nomeadamente as gémeas e a Cristiana com a ajuda do Luís fizeram uma das actividades da sessão anterior a separação dos componentes de uma mistura e mexeram pela primeira vez numa lamparina. Ainda conseguimos terminar a sessão comigo a falar com o Miguel sobre submarinos e com o Luís a apresentar uma nova versão da actividade da garrafa vulcão. Esta versão é mais espectacular do que a que realizámos na última sessão e consiste na utilização simultânea de dois frascos grandes do tofina com água fria. Esta versão aproxima-se bastante da que se encontra no livro “o pequeno mágico da ciência”[4] [1] Actividade adaptada de: Kaner, E. (1991). Ciência com balões. Lisboa: Gradiva Júnior [2] Actividade adaptada de: VanCleave, J. (1991?). Ciências da terra para jovens. Lisboa: Dom Quixote [3] Idem [4] Em colaboração. (1975). O pequeno mágico da ciência. Lisboa: Scire

25 maio 2005

Terça-feira dia 24

Vou para a minha segunda semana no clube. Acabei por não falar antes com o Toni, o meu colaborador, sobre as actividades que pensei para hoje. Trabalhei um pouco em cima da hora. Este é um dos meus grandes defeitos. Tentei arranjar coisas simples que não nos exigissem materiais ou ingredientes que não existissem já no nosso stock ou à mão na cozinha ou no bar. Quando cheguei, o Luís, o Ricardo e o Vasco já estavam à espera. Começam a tornar-se membros permanentes do clube. O Luís lá foi comentando que existem poucos miúdos a gostar de ciência. Tentava assim justificar as poucas presenças. Uma das actividades que testámos várias vezes e que fomos tentando optimizar foi a da garrafa vulcão que adaptei de "o meu primeiro livro de ciências"[1]. Depois tínhamos outras como por exemplo uma que trabalhava os métodos de separação dos componentes de uma mistura[2]. Esta escolhi-a a pensar no Jorge que tinha falado das misturas heterogéneas que estava a dar na escola. O Jorge não apareceu mas eles divertiram-se na mesma. O Ricardo e o Vasco estavam muito atentos ao que o Luís ia dizendo que era preciso fazer para separar a pimenta do sal. Conseguiram mesmo chegar à destilação quando ponderaram recuperar a água que haviam adicionado à mistura. O Ricardo confessou que apesar de estar no 8º ano e já ter dado este assunto não tinha nenhuma ideia de como fazer. A propósito, uma coisa que sinto que está a acontecer e isso verifica-se muito com o Ricardo é que ele, perante uma determinada situação, fica muitas vezes a tentar lembrar-se do que terá memorizado na escola sobre os assuntos e não consegue pura e simplesmente pensar nas situações de forma livre usando os saberes que tem para as resolver sem estar agarrado à escola e ao que pensa ser o "certo" aprendido na escola e com a linguagem que a escola lhe ensinou. Quando não consegue isso, o que inevitavelmente acontece muitas vezes, bloqueia e fica inseguro. Importa lembrar que estamos num espaço completamente informal, onde ninguém obriga a pensar ou a fazer as coisas como na escola, a fazer tudo "dar certo" apesar de eles saberem que eu sou professora e qual a minha área de formação. Aliás aproveitam muito para falar do que estão a dar na "minha disciplina". Neste momento são questões de óptica, as leis da reflexão. Penso proximamente preparar algumas actividades sobre este tema. Neste dia fizemos também uma cromatografia simples em papel[3] e o Vasco descobriu que não sabia que o álcool ou a água subiam no papel quando se mergulha só uma pontinha. Quando tentámos a actividade "papéis teimosos" adaptada de http://cienciaemcasa.cienciaviva.pt/papeis.html verificámos que mais gente tinha entrado na sala e observava o que fazíamos. Entrou mesmo um outro miúdo que também acabou por participar na actividade e dar a sua opinião. Como trabalhámos de porta aberta algumas pessoas que passavam no corredor também iam olhando intrigadas o que fazíamos. Começámos a reservar a última meia hora de trabalho para escrever alguma coisa sobre as actividades realizadas. Eles não gostam muito de escrever mas lá vão pelo menos fazendo alguns esquemas e colocando legendas. O Vasco que no primeiro dia quase não tinha escrito nada, desta vez já conseguiu fazê-lo com menos esforço e falou da actividade que mais gostou de fazer. Deixámos por fazer o resumo sobre a actividade do Géiser caseiro (http://cienciaemcasa.cienciaviva.pt/geiser.html) porque o Luís lembrou-se que já tinha ouvido falar de géiseres em ciências e ficou de trazer mais alguma informação sobre o tema. [1] Wilkes, A. (1991). O meu primeiro livro de ciências. Lisboa: Civilização. [2] Actividade adaptada de: Cruz, N., Martins, I. P. e Martins, A. (1990). À descoberta da química – 8º ano, (3ª ed.). Lisboa: Porto editora [3] Idem

18 maio 2005

A segunda sessão de clube

Hoje não estive. Tinha a marcação de outra coisa sobreposta com o horário do clube. Tinha sido marcada antes de termos decidido quando íamos funcionar. Ficou só o Toni com os miúdos. Decidiram fazer uma actividade com roldanas usando alguns equipamentos de escalada e montanhismo. Fizeram isso cá fora no exterior do edifício num espaço agradável onde costuma estar uma esplanada. Parece que se divertiram e simultaneamente trabalharam algumas questões de física. Por exemplo, usando um conjunto de roldanas foi possível o filho do Toni que tem três anos elevar o Luís que tem quinze a uma altura apreciável do solo. Conseguiram também cada um deles individualmente elevar-se a si próprio. Na próxima semana irei regressar.

11 maio 2005

O primeiro dia no Clube

O nosso clube nasceu hoje. É um espaço informal de ocupação dos tempos livres dos miúdos e onde esperamos que haja ciência. Por enquanto começámos com algumas actividades que encontrámos em livros sobre ciência a brincar [1] ou na internet, por exemplo, em http://cienciaemcasa.cienciaviva.pt/. Uma das que teve mais sucesso e que resultou melhor foi a do “ovo engarrafado”[2] que repetimos várias vezes.Acho que nos divertimos todos. Hoje não éramos muitos. Estavam o Luís, o Ricardo, o Vasco, o Jorge, eu e o Toni. Lembro-me da concentração e da persistência do Jorge a testar algumas coisas, completamente ao contrário do que é costume a resolver exercícios de matemática (às vezes costumo apoiá-lo nisso). Até aproveitámos para resolver um ou dois exercícios sobre potências (7º ano) nos jornais que tínhamos a forrar a mesa. A seguir também o Vasco que não estava a perceber nada das potências, aproveitou para falar do que estava a dar no 6º ano, a propriedade distributiva. O Luís (8º ano) também entrou na discussão e explicou como se adicionavam números relativos de uma maneira que ele achava mais fácil e que era diferente da que o Jorge usava. Todos continuavam debruçados sobre os jornais da mesa atentos ao que cada um ia fazendo. Talvez dê para perceber como por alguns momentos todos estávamos, pelo menos, a falar da matemática da escola num ambiente favorável, descontraído e completamente informal. Entretanto o Jorge já me tinha declarado que não gosta de estudar. Eu não estava nada surpreendida com o que estava a acontecer mas há já algum tempo que não estava com miúdos desta idade e era a primeira vez que estava a tentar dinamizar um clube de ciência fora de uma escola, numa outra instituição que ainda não conheço. Já deu para perceber algumas diferenças. Até deu para rebentarmos um balão de propósito e no final rimo-nos todos. Também eu me sinto mais solta, menos preocupada com as regras e com o barulho que fazemos. Vejamos como vamos evoluir. [1] Em colaboração. (1975). O pequeno mágico da ciência. Lisboa: Scire Sabatés, R. (s/data). A brincar o Rui faz 50 descobertas de química. Lisboa: Plátano Wilkes, A. (1991). O meu primeiro livro de ciências. Lisboa: Civilização. [2] Adaptada de http://cienciaemcasa.cienciaviva.pt/engarrafado.html